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Quando a criança grita mais alto

  • Daniela Abarca
  • 17 de jan. de 2019
  • 3 min de leitura

Sabe aquela sensação de que ninguém te ouve? Ou que o mundo tirou o dia para te espezinhar? Então, provavelmente a gente está falando da grande dificuldade que é domar a nossa criança interior quando ela resolve se manifestar. Seja como um ataque de fúria, onde saímos quebrando tudo, ou de gritaria em uma discussão mais acalorada, todos nós temos nossos momentos de inconformismo. Ok, você pode estar pensando em um tal Fulano que não se abala por nada, que parece ter feito curso com um monge budista (só para te provocar é claro) que não se encaixa nesta descrição, mas acredite, o Fulano também tem seus momentos de raiva e de birra, só que provavelmente ele os vive e expressa de uma maneira diferente da sua.


A psicanálise nos traz, mais precisamente Melanie Klein nos conta em seu texto Inveja e Gratidão de 1957, que a maioria de nós passará boa parte da sua vida buscando recriar, possivelmente, uma das melhores sensações que já pudemos vivenciar, que é o que chamamos de estado pré-natal, aquele próprio de nossa vida intrauterina. Talvez o único momento da vida em que temos - devido a unidade com a mãe - possivelmente o mais completo sentimento de segurança, fase em que somos supridos de tudo sem que para isso nada tenhamos que solicitar a ninguém. A natureza programou-se para reconhecer cada mínima necessidade do bebê e trata de providenciar sua satisfação.


Eis que aqui do lado de fora tudo parece às avessas e precisamos aprender a nos expressar para sobreviver. Estar agora “por conta” não garante que de fato consigamos comunicar o que precisamos e vira e mexe nos vemos fazendo birras semelhantes às crianças de 4 anos que se jogam ao chão por não terem seus desejos satisfeitos. O problema é quando nos pegamos – ou pior – somos pegos fazendo este tipo de cena aos 30, 40, 50 anos. Também foi Klein quem brilhantemente abordou que as frustrações são independentes da ação do meio externo, sentir-se frustrado é próprio da condição humana e está ligado à nossa insuficiência para sobrevivermos de forma independente.


Parte da dificuldade deste quadro, para algumas pessoas, reside no fato de que acreditamos que pela lógica, certos sentimentos e - pior ainda - certas atitudes não lhe pertencem mais, não podem e não devem existir quando se é adulto. No entanto, o primeiro passo para conseguir entender e lidar com esta parte de nossa personalidade, seria reconhecer que aquela criança não satisfeita ainda mora dentro de nós e para sempre estará por lá, e isso não precisa ser diferente, não precisamos e nem que quiséssemos, podemos aniquilá-la.


Quem convive ou já conviveu com uma criança fazendo birra a sua frente já deve ter experimentado que a mera imposição da regra, ou a agressão não resolve e as vezes só piora as cores da cena. Reconhecer, verbalizar para si ou para o outro o que está acontecendo é um passo fundamental do processo de aprender a lidar e adequar os rompantes à situação vigente. Quando nos percebemos inconformados, putos da vida por algo não ter saído como queríamos, passado o calor do momento, é necessário fazer uma pausa e identificar qual é a falta. A birra que tomou conta de mim neste momento refere-se a que carência? O que eu preciso neste momento que está difícil aceitar a ausência? Dificilmente será o concreto, como uma equação em que dois mais dois dá quatro. Exemplificando: Você queria muito aquela vaga pela qual passou meses em processo seletivo, reunia todas os requisitos da tal posição, foi seguro e objetivo na entrevista, eis que a resposta - quando vem - é negativa. Você pode ser tomado por uma tristeza muito grande, mas também por muita raiva e inconformismo nesta hora, o que chamamos de reconhecer a carência é como se fosse um desenrolar o novelo de lã. Não é somente a vaga que lhe falta e faria feliz, mas ao que esta se refere. Que significados e possibilidades se abririam para você caso esta vaga fosse sua? O que poderia ser conquistado, ou deixado de lado se o tão sonhado sim tivesse chegado?


Fugir de nossa concretude é muito difícil sozinho, parece que todo quadro lógico está desenhado em nossa cabeça e ainda assim não entendemos porque é tão difícil aceitar a frustração e ainda mais, o que fazer com este sentimento de forma que ele não te assole as outras possibilidades. O trabalho analítico se propõe entre tantas possibilidades, a apoiar o indivíduo a estabelecer estes contatos e diálogos com a criança que cada um de nós ainda teima em deixar de castigo, como se “adultecer” significasse que não há mais espaço para ela.

 
 
 

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