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Eu bem que lhe avisei!

  • Daniela Abarca
  • 31 de out. de 2018
  • 3 min de leitura

Ontem um acontecimento doméstico me fisgou de uma forma diferente, não me peguei inconformada com o fato, mas surpresa, intrigada. Assistíamos um filme em casa, eu e meu marido, um mesmo estímulo, uma mesma história interpretada pelos mesmos atores, mas capturada de forma tão diferente, por vértices tão opostos, a nos despertar sentimentos tão distintos.


Soma-se a isso o fato que poucos dias antes, no consultório, redescobríamos eu e um paciente (sim, nós, porque a psicanálise ocorre a partir do par, e não do paciente sozinho isolado com seus pensamentos) o quanto no frenético debate de opiniões, podemos facilmente nos colocarmos em oposição à determinadas posturas, crenças, inconformados pela “cegueira” do outro à nossa visão, sem nos darmos conta que podemos estar atacando os mesmos comportamentos só que de lados opostos.


E com a mesma intensidade que vinham suas convicções, parecia ali também habitar a dúvida se estaria ela equivocada no que via. Surgia diante de nós uma fresta, ainda que minúscula, sinalizando a possibilidade do encontro de visões. Um misto a deflagrar, uma hipótese – ainda que remota aos seus olhos - de estar enganado, com um desejo poderoso de sair vitorioso e que o futuro venha “comprovar suas teorias e coroar sua vitória”.


Como ainda é importante para muitos de nós “ter razão”, às vezes nos empenhamos tanto na tarefa que lá pelas tantas nos perdemos do porquê mesmo tudo começou? Freud ao falar sobre megalomania, no texto Sobre o Narcisismo: Uma introdução (1914), nos aponta que nela comumente vemos uma superestima do poder de seus desejos e atos mentais, a onipotência de pensamentos ou ainda uma crença na força milagrosa das palavras. Supor ser capaz de vislumbrar toda a verdade e contê-la em suas colocações me parece um terreno por demais arenoso, perigoso. Como se pudesse nos alimentar a vaidade por um lado enquanto nos cega por outro. Nesta luta desenfreada por provar nossas teorias ao mundo – movimento tão comum aos jovens – podemos causar alguns estragos, cometer exageros, provocar rompimentos de relações que nos são tão caras. A boa notícia é que grande parte das pessoas são dotadas do desejo e capacidade de fazer reparações.


Melanie Klein é quem nos apresenta em sua obra o conceito de reparação. Nele o bebê que é possuidor de impulsos de ordem tanto amorosa quanto de ordem agressiva, na medida em que vai amadurecendo passa a se dar conta que o objeto (lembrando que em psicanálise objeto significa também pessoa) por ele amado é também o mesmo que lhe despertou raiva, ódio e inveja e no qual realizou seus ataques e desejou destruir. A culpa e o desespero por tê-lo destruído abrirá caminhos para o desejo de restaurá-lo, e é este desejo de reparar o objeto danificado que servirá como base da capacidade do ego para manter o amor e as relações através dos conflitos e dificuldades.


Gilberto Gil, escreveu brilhantemente em 1982, a belíssima música Drão, nela há um verso que diz “Não há o que perdoar, por isso mesmo é que há de haver mais compaixão. Quem poderá fazer aquele amor morrer, se o amor é como um grão? Morre, nasce trigo, vive, morre pão”. E como toda arte nos convida ao subjetivo, para mim uma bela sugestão que nos conta que se conseguíssemos nos ver mais parecidos, mais próximos, todos com nossos telhados de vidro talvez não precisássemos perdoar, nem ser perdoados. Todos num mesmo barco, torcendo para que possamos vencer a tormenta e chegarmos enfim a terra firme.


Deixo vocês em excelente companhia, Gil e Caetano cantam neste vídeo a bela Drão.



 
 
 

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