Série: Perdi o compasso, como é mesmo que se dança? “O mundo é Bom”
- Daniela Abarca
- 23 de ago. de 2018
- 3 min de leitura

Olá pessoal, em uma pequena série de pequenos textos - a qual nomeei “Perdi o compasso, como é mesmo que se dança?” - pretendo compartilhar com vocês como a Antroposofia, uma linha filosófica fundada por Rudolf Steiner em meados da década de 1890, enxerga o desenvolvimento humano através das fases da vida, conceitos expostos no livro Fases da Vida de Bernard Lievegoed (1905-1992)1.
A antroposofia prega que o desenvolvimento humano é naturalmente ritmado. No entanto, sua plenitude só ocorrerá se nós o levarmos conscientemente até o fim, o que significa empreendermos ao longo da vida uma busca também pelo desenvolvimento interior através do desenvolvimento do nosso pensar, do sentir e do querer.
Lievgoed1 aponta que o caminho de vida é percorrido por três diferentes vias: o caminho biológico, o psicológico e o espiritual. Neste pequeno texto de hoje quero abordar com vocês sobre o caminho psicológico, especificamente sobre sua importância da primeira infância – até os 7 anos de vida, e os reveses que vamos adquirindo ao atropelarmos este fluxo.
Vale lembrar que é na primeira infância que a criança está mais suscetível às impressões externas e ao aprendizado pela imitação. Desta forma, Lievegoed1 afirma que o principal elemento que devemos ofertar à criança é um sentido: de autoconfiança, de convicção e segurança. O que em psicanálise, Winnicott irá propor como a oferta de um ambiente suficientemente bom para que este desenvolvimento ocorra, mas isso fica para um outro post.
Segundo a ótica antroposófica, a autoconfiança e convicção vem de uma vida rítmica e da consistência nos encontros com a criança. Já a segurança vem do amor caloroso de seu ambiente. Em outras palavras, à criança deve ser dado um sentido básico de que o mundo é bom, e nisso Winnicott e Lievgoed se aproximam.
Lievegoed1 fala da importância da vida rítmica neste processo, o que Winnicott chamará de constância. O ritmo também é um elemento importante para o desenvolvimento da confiança e posteriormente da autoconfiança. É importante que a criança tenha, desde seus primeiros meses de vida, definido por um adulto a marcação destes ritmos, uma rotina estabelecida: a hora de despertar, de se alimentar, de brincar, de tomar banho. A repetição do ritual irá aos poucos estabelecendo confiança na relação com este adulto, a criança vai percebendo naturalmente que há um ciclo, já espera, já sabe o que virá depois.
Embora saiba bem o quão é difícil é conseguir estabelecer ritmos, rotinas em meio à tantas exigências atuais, o esforço sem dúvida vale a pena. No mundo real, este papel nem sempre pode ser cumprido pela mãe ou pelo pai, ou ainda pela mesma pessoa. O importante é prezar pela realização do ritual, ainda que não seja realizado por você. Posteriormente, na vida adulta, parte da nossa facilidade ou dificuldade de lidar com compromissos, de sermos pessoas organizadas, planejadoras advém desta fase.
É também no ambiente familiar que geralmente vivemos nosso primeiro campo de provas. O sentimento de ser bem-vindo é essencial ao ser humano e fundamental ao seu desenvolvimento. Um bebê expressa com naturalidade suas necessidades de alimento, calor, proteção. O atendimento às suas necessidades poderá trazer ao bebê o sentimento de segurança. Mais tarde, é ainda no terreno familiar que podemos exercitar a aceitação, sermos apresentados às normas sociais, aos valores familiares, às crenças, e a tão importante censura.
A ausência de autoconfiança, o sentimento de insuficiência, ou ainda de menor valia presentes em tantos de nós pode ter raízes advindas desta época. A falta da acolhida, do cuidado, de afeto nos primeiros meses de vida pode ocasionar que acabamos nos sentindo inseguros, desprotegidos, em falta com alguma expectativa que nem sabemos ao certo qual é.
Aqui também vemos presente uma face da patologia social que estamos vivendo, a pressão para que desde cedo nossas crianças sejam “crianças de sucesso”: inteligentes, bonitas, saudáveis, alegres, aplicadas em tirar boas notas. Patologia que deflagra a necessidade de nós adultos, pais, professores e a quem mais couber, conter as expectativas, os sonhos ainda não concretizados para deixar livres as crianças a fim de que possam descobrirem a si mesmas e se tornarem tudo aquilo que seu potencial lhes reserva.
1 Lievegoed, Bernard; Fases da Vida, crises e desenvolvimento da individualidade; 3ª. Ed; São Paulo; Antroposófica, 1994.
Veja mais sobre o tema o mundo é Belo neste vídeo fantástico de Genifer Gerhardt
https://www.youtube.com/watch?v=1dYukOrq5RI
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